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CAMPO BOM

Após três anos, Justiça torna réus acusados por mortes de pacientes com Covid-19 devido à falta de oxigênio no Hospital Lauro Reus

O dia 19 de março de 2021 talvez tenha sido um dos mais tristes durante a pandemia de Covid-19 em Campo Bom. Na ocasião, seis pacientes que estavam com coronavírus na UTI do Hospital Lauro Reus morreram por falta de abastecimento no oxigênio da casa de saúde.

Nesta terça-feira (19/03), três anos depois, a Justiça tornou rés nove pessoas envolvidas no ocorrido, após aceitar a denúncia do Ministério Público (MP). Conforme o MP, o hospital e os responsáveis sabiam do alto consumo de oxigênio e da ausência de medidas alternativas, mas não tomou nenhuma ação necessária para contornar o problema.

Conforme a promotora de Justiça Ivanda Grapiglia Valiati, a causa das mortes foi a interrupção do fornecimento de oxigênio, em 19 de março de 2021, para as vítimas, todas internadas na UTI ou na emergência da casa de saúde devido à pandemia de Covid-19.

Entre os réus da ação criminal estão um diretor da Associação Beneficente São Miguel, mantenedora do hospital na época, uma então diretora do hospital, coordenadores da instituição, além de funcionários da Air Liquide, empresa que fornecia o oxigênio.

 

O caso

Na manhã de 19 de março de 2021 seis pessoas que estavam internadas na UTI por complicações relacionadas à Covid-19 acabaram falecendo, após uma pane no sistema de distribuição e subsequente falta de oxigênio no Hospital Lauro Reus. Conforme a denúncia do Ministério Público, a ausência do oxigênio foi de cerca de 2h, estimada entre 1h52min e 2h20 min.

Em maio do mesmo ano, uma sindicância feita pelo hospital apontou que houve falta de abastecimento pela Air Liquide, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio ao Lauro Reus. Na época, a empresa afirmou que foi contatada no dia do incidente, que auxiliou remotamente para começar o sistema de backup e, ainda, que forneceu novos cilindros de oxigênio ao hospital.

Uma CPI aberta em junho de 2021 pela Câmara de Vereadores aprovou um relatório que responsabilizava pelas mortes ocorridas a empresa fornecedora de oxigênio, funcionários do hospital e a terceirizada que prestava serviços à casa de saúde.

Seis funcionários do hospital e dois da Air Liquide foram indiciados pela Polícia Civil por homicídio culposo. Segundo a investigação, também concluída em junho de 2021, as mortes foram causadas pela falha na suplementação de oxigênio registrada no dia 19 de março.

Um segundo inquérito realizado na época do ocorrido apontou que outras 15 pessoas também internadas no hospital faleceram nos dias seguintes e que a falta de oxigênio poderia ter causado os óbitos. No entanto, não houve indiciamentos nessa investigação.

 

Detalhes da denúncia

A denúncia do MP aponta que, durante a 2ª onda da pandemia de Covid-19, em 2021, o Hospital Lauro Reus viu a demanda do oxigênio hospitalar aumentar em 1.900%, em comparação com os meses de março de 2020 a março de 2021. Enquanto antes da pandemia a recarga do oxigênio era realizada uma vez a cada mês, a partir de março de 2020 a necessidade passou a ser de três vezes por mês. Em março de 2021, período em que ocorreu a falta do insumo, a recarga passou a ser necessária três vezes por semana.

Conforme a denúncia, um dia antes da falta de oxigênio, na tarde de 18 de março de 2021, a equipe de manutenção do Hospital Lauro Reus constatou o nível baixo do insumo. Ao tentar contato com a Air Liquide, a empresa informou que o abastecimento ocorreria apenas na manhã do dia 19.

Mesmo com a iminência da falta de O2 aos pacientes, o MP aponta que nenhuma providência preventiva foi tomada pela manutenção e administração do hospital, inclusive não sendo feito qualquer aviso à equipe de enfermagem ou corpo clínico acerca da possibilidade de falta de oxigênio, que foram pegos de surpresa quando o oxigênio de fato acabou, entre às 7h25 e 7h53, conforme laudo pericial.

Na ocasião, a UTI do Lauro Reus apresentava superlotação de 120%, com, de acordo com o MP, aproximadamente 20 pacientes entubados e 30 pacientes em Máscara de Hudson, equipamento de oxigenação, todos dependentes do fornecimento de gás medicinal. “No momento em que houve a interrupção do oxigênio, a equipe médica e de enfermagem, que desconheciam o baixo nível de oxigênio, foi surpreendida com o soar dos alarmes dos ventiladores mecânicos, e, sem qualquer tempo para preparação. Depois de compreender a situação, providenciou a ventilação dos pacientes de forma manual, até que a central backup passou a funcionar, após manipulação por funcionários do hospital”, aponta a denúncia.

Por fim, a denúncia do MP destaca que “os denunciados, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, mediante omissão penalmente relevante, agindo com negligência, imprudência e imperícia, bem como inobservância de regras técnicas da profissão, mataram, culposamente, as vítimas, que estavam no referido Hospital”.

 

Município é réu em ação civil pública

Além disso, a Justiça determinou a inclusão do Município de Campo Bom como réu na ação civil pública que busca reparação e dano coletivo. Conforme Franciele Kozlowski, advogada das famílias das vítimas e assistente da acusação criminal, a ação civil pública trata do dano coletivo para que seja dada uma resposta para a população de Campo Bom. “Não só as famílias enlutadas devem ser reparadas e sim a comunidade, que presenciou a maior tragédia da nossa cidade no nosso único hospital. Os gestores de todos os envolvidos falharam nos seus deveres, seja ele de fiscalizar o contrato, seja ele de executar o contrato ou de cumprir as obrigações a que se destinavam”, aponta ela.

Franciele, que representa quatro famílias das vítimas do dia 19 e ainda as famílias das vítimas que faleceram nos dias seguintes, relembra os 15 óbitos registrados nos dias posteriores à falta de oxigênio. “Além das vítimas do dia 19, devemos lembrar também das pessoas que faleceram nos dias seguintes, pois todas estavam em uso de oxigênio quando por 2 horas o insumo faltou, uma vez que, conforme consta na denúncia criminal, 50 pessoas utilizavam oxigênio”, relembra.

 

Nota da prefeitura

Em nota, a prefeitura de Campo Bom afirmou que “é e sempre foi solidária às famílias das vítimas do trágico episódio ocorrido no Hospital Dr. Lauro Reus no dia 19 de março de 2021”.

Conforme a prefeitura, em relação à denúncia ofertada pelo Ministério Público na matéria criminal, “as apurações apontaram pela ausência de responsabilidade dos servidores municipais, sendo que nenhum servidor da Prefeitura foi responsabilizado”.

No que diz respeito à ação civil pública, a Administração afirma que “o Município foi incluído no decorrer da demanda e está oferecendo sua defesa. É importante frisar que o Município sempre disponibilizou todos os recursos necessários ao bom funcionamento do hospital e, inclusive por isso, devem ser apuradas as responsabilidades e falhas, condenando-se os culpados”.

 

 

 

 

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